Leonardo de Oliveira Silva
Este artigo analisa a figura do afrodescendente como herói da poesia épica sobre a Guerra da Tríplice Aliança, ou Guerra do Paraguai (1864–70), considerando as mudanças na sociedade e na literatura brasileiras ocorridas durante o conflito. Para tanto, examino o poema épico Riachuelo, de Luiz José Pereira da Silva, publicado antes mesmo do término do confronto entre Paraguai contra Argentina, Brasil e Uruguai–a Tríplice Aliança. Observa-se como essa forma épica tardia é modificada na intenção de assimilar a matéria político-social da época e a estética do romantismo. Fazendo uso da historiografia contemporânea sobre a guerra e da crítica literária sobre epopeia e escrita do século XIX, demonstro como as alterações formais de Riachuelo, sobretudo no retrato de Marcílio Dias (afrodescendente proveniente das classes populares, que teve bom desempenho e morreu após enfrentar sozinho quatro inimigos paraguaios durante a Batalha Naval do Riachuelo), apontam para uma parcial mudança na posição dos negros na sociedade brasileira. A discussão aqui proposta busca esclarecer alguns aspectos da relação entre literatura e Guerra da Tríplice Aliança e contribuir para a compreensão da ideologia do sacrifício, que subjazeu parte do discurso abolicionista nas décadas de 1860 e 1870.